Pensando sobre o conhecido aforismo freudiano: “Afinal, o que quer uma mulher?”, nada melhor do que tentar descrever seu papel social, à época de Freud e hoje, para então arriscar decifrar o enigma, se é que podemos falar de forma genérica sobre o tema, sem tomar a mulher uma a uma.
Freud viveu num período da história, entre os séculos XIX e XX, influenciado pelo iluminismo, onde os ideais de liberdade, igualdade, fraternidade, ainda que postos, seguiam carregados de fortes influências de um patriarcado trabalhoso de ser diluído e que, de certa forma, ainda persiste nos dias de hoje.
Neste contexto, esperava-se que a mulher se preparasse, desde muito cedo, para desempenhar com maestria, a partir do casamento, seu papel como excelente dona de casa, mãe e educadora da prole, num espaço de atuação reduzido ao casamento, procriação e cuidados com os maridos e filhos. Poucas eram aquelas que se destacavam de outra maneira e, quando isto ocorria, era através de funções correlatas: enfermeiras, professoras, cozinheiras, damas de companhia.
O campo da realização profissional era reduto dos homens, com divisão de tarefas bem estabelecida. A eles cabia o papel de provedor da família; a elas, o de dar suporte, em casa, para que eles ficassem tranquilos ao desempenho daquela função.
Assim, fora do casamento, pouco restava para elas. Aliás, durante muito tempo, nem direito à herança elas tinham.
Dentro do casamento, com tantos afazeres e muitos filhos para cuidar, a vida também não parecia ser fácil para um ser desejante de oportunidades, com expectativas em viver momentos agradáveis e dar vazão a seus anseios mais íntimos: a opção se restringia à mudança de cabresto, de um pai, geralmente dominador, para um marido, talvez menos impositivo ou, então, “ficar para titia”.
Fácil imaginar a proliferação do mal-estar naquele tempo, com mulheres histéricas lotando os consultórios médicos em busca de entendimento e cura para seus problemas, a escancarar almas adoecidas (na antiguidade, psiques), presas em corpos que se negavam a respeitar as regras, numa clara desobediência civil.
Evidente que não apenas mulheres eram acometidas de histeria, mas certamente elas predominavam.
Freud se deu conta deste fenômeno entendendo que a solução não seria simplesmente “revirar úteros” – como nos ilustra o filme “Histeria”, uma comédia de 2011 sobre as propriedades da massagem pélvica no comportamento das mulheres – mas “revirar o inconsciente”, dando voz a conteúdos represados.
Mas o universo tem seus caprichos e o mundo contemporâneo foi se desenhando de forma diferente e até então imprevisível a partir das guerras, forçando novas soluções: a forte baixa de homens, cujas vidas se perdiam nos campos de batalhas, foi responsável pela abertura de postos de trabalho direcionados ao universo feminino, impulsionando o ingresso dessas mulheres, até então dedicadas quase que exclusivamente a seus lares, para jornadas de atividades fora de casa.
Para fazer frente a estas mudanças dentro dos lares, até então redutos protegidos, onde o feminino se dedicava ao privado, cabendo aos homens apenas a vida pública, novos hábitos se estabeleceram: forte incentivo ao consumo, formas de proporcionar simplificações no dia a dia compatíveis com um novo estilo de vida envolvendo desafios e oportunidades. Eis o ambiente borbulhante criado pela modernidade, para o qual homens e mulheres precisavam se preparar para enfrentar.
Mas o padrão moral vigente continuava repressor. Mulheres tentando dividir espaços, meio que a fórceps, numa constante busca de lugar ao sol.
É assim que entramos na década de 60, com tentativas de liberação sexual, estimuladas pelo advento dos métodos contraceptivos, em especial a pílula anticoncepcional, que devolve à mulher uma relativa autonomia sobre seu corpo e seus próprios desejos. Ela agora tem outras possibilidades de futuro, para além do casamento e da maternidade. Afinal, ela já pode escolher investir nos estudos, objetivando uma carreira acadêmica ou profissional.
Engana-se, porém, quem entende este movimento como tranquilo. Como se não bastassem a dupla jornada feminina e as diferenças salariais entre os sexos, há que se lidar com a eterna competitividade, tanto nas organizações quanto dentro de casa e com a difícil questão relativa à biologia x maternidade.
Afinal, se o casamento já não é mais visto como algo obrigatório nas relações que se tornam cada vez mais líquidas, a maternidade, para quem sonha gerar seus próprios filhos, ainda tem marcadores temporais importantes. Investir na carreira e deixar a maternidade para depois pode esbarrar neste quesito.
Mais ainda. Investir na maternidade e, paralelamente, na carreira pode trazer, em especial para a mulher, um sentimento de culpa inautêntica (decorrente de idealizações), por não estar tão disponível como gostaria (e como era comum no passado – olha aí nossa herança cultural, cobrando pedágio), com desdobramentos complicados, caso da falta de limites e excesso de indulgência no processo educacional de suas crianças, como forma de reparação pela reiterada ausência.
Como consequência, famílias cada vez menores, por escassez de tempo e outras prioridades ligadas à vida profissional. Outra decorrência: o incremento do mundo pet, em substituição aos filhos, uma forma encontrada para dar vazão ao lado maternal.
Podemos perceber que, lá trás, a vida da mulher não era fácil por excesso de atribulações, rigidez, cobranças, em especial aquelas exercidas de fora para dentro, com poucas oportunidades de desenvolvimento pessoal a quem almejasse mais do que casamento e maternidade.
E hoje, apesar de maior liberdade de escolha, também não é pacífico este percurso, já que as três dimensões que envolvem a vida da mulher na pós-modernidade – o lado profissional, a relação amorosa e a função materna – não costumam se acoplar de maneira tranquila.
Daí entendermos que a provocação proposta por Freud sobre o que quer uma mulher pode ter muitos desdobramentos, que nem sempre passam pela tríade acima. É na singularidade que encontraremos a resposta, aquela que cada uma consegue bancar, sempre lembrando a velha melodia da eterna insatisfação que nos constitui: “A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte”. “A gente não quer só comida, a gente quer saída para qualquer parte”.