Sentimento de superioridade: esse grande dragão à espreita sob o manto das guerras

Marta Moneo

A princípio, o homem vive uma vida exterior e, mais tarde, uma interior; a noção de efeito precede, na evolução da mente, a noção de causa interior desse mesmo efeito (citando Fernando Pessoa) – porque, e é sempre importante lembrar, projetamos para fora e para o outro o que negamos em nós desde bebês.

O ser humano prefere ser exaltado pelo que não é, a ser tido em menor conta por aquilo que é. É a vaidade em ação, buscando infantilmente despertar a admiração e mesmo a inveja nos outros para, assim, elevar a própria autoestima – por conta da dependência de segurança e reconhecimento externos – alimentando um momentâneo e ilusório estado de prazer.

Esse sentimento, caracterizado pela pretensão de superioridade sobre as demais pessoas, constitui a raiz mais profunda do orgulho – raiz cuja semente é o medo.
É preciso ao adulto de hoje reconhecer o conflito que ocorre em seu mundo interno. Uma guerra que se trava de forma interna, mas que ameaça transbordar os limites emocionais do eu psíquico e manifestar-se no corpo físico inclusive.
Naturalmente, o conflito entre um medo e um desejo. Porque há uma ordem de conflitos capaz de alavancar drásticas perturbações na organização mental, exatamente porque o medo se faz filho do desejo... e assume a paternidade do orgulho.

Apesar do impulso que nos impele à ação para a consumação do desejo, aquilo que pode realmente apaziguar o ego em conflito se acha na dimensão da humildade em reconhecer a existência desse desejo e negociar consigo.

O reconhecimento do querer é o que nos induz a pensar; e, não é novidade o fato de que isso coincide com a capacidade de adiar a ação. Ainda assim, o reconhecer é assustador – isso por se tratar de um movimento interno que leva a abrir mão da satisfação do prazer que estaria na efetivação da ação.

A psicanálise ensina com muita clareza que pensar sobre as emoções diante do que causa frustração leva, queira ou não, ao reduto da realidade. E que pensar nos possibilita um desistir da satisfação imediata – que, apesar de ser prazerosa, é exatamente a responsável pelo conflito.
A proposta de considerar a dimensão do lado desconhecido da mente deve partir de certa experiência de humildade, na consideração da ignorância presente nas dores da alma e no conteúdo arcaico do inconsciente do homem.
Humildade é um termo advindo do latim húmus, cujo significado é terra fértil, apta a receber e frutificar sementes por se fomentar na riqueza dos bons nutrientes.

Entender que no cerne da humildade – contrariamente ao fosso do medo e das raízes doentias do orgulho – residem: a liberdade de sermos quem somos; a possibilidade de oferecer-nos ao novo, trazido pelo reduto social, com um olhar mais afetivo e articulado na ponderação ante aos desafios do cotidiano; o discernimento sobre a imperfeição que nos habita sem que a comparação se instale gerando angústia, menos valia e/ou revolta; e, a oportunidade de alcançarmos a felicidade possível, tanto no campo da realidade quase sempre frustrante, como na seara dos mal-entendidos resultantes da linguagem (verbal ou não verbal) nas relações humanas.

Buscar o enfrentamento dessas tendências basais mergulhadas ainda em nosso inconsciente primitivo é, a meu ver, o necessário percurso a ser trilhado, especialmente nesses tempos em que entidades políticas – reconhecidas como tal ou não – guerreiam em nome de reconhecimento de suas pretensas e relativas verdades, em tristes estratégias de busca por segurança (territorial, patrimonial, social, religiosa etc.), submetendo irmãos em humanidade ao luto, à dor, à humilhação, a traumas e ao desconsolo – homens, mulheres, idosos e crianças em busca de um chão, de um mínimo de amor e sobrevida, marchando sem aonde.

Sob o manto das guerras, o sentimento de superioridade aloja-se no grande dragão da vaidade – em exacerbada mais valia a validar o fogo insano da barbárie – que sobrevoa céus diversos, ignorando quem amarga a humildade espera por um chão mais fértil, nutrido pela paz externa e interna a cada um.