Falta de engajamento transforma inclusão em marketing educacional

Marta Moneo

Nas tantas andanças pelos campos da prática clínica, seguimos colhendo enredos distintos e repletos de vivências desafiadoras que, ao aportarem no consultório, exigem extremo cuidado de quem se disponibiliza à escuta. Requisitam ainda maior zelo ao chegar por intermédio de vozes maternas exaustas, cada qual em visível desorientação ante a angustiada procura por saídas ou qualquer lenitivo ao desamparo em que se acham.

Mães que adentram geralmente sozinhas a sala em que seus prantos não mais suportarão o represamento da mágoa em não serem compreendidas nos seus lamentos e em suas dores ante a impotência.  

Falo dessa legião imensa de guardiãs da história de vida de meninos e meninas com autismo – crianças provavelmente eternas, apesar da idade alcançada, cuja luz interna parece engessada dentro delas, sem trânsito livre ao externo e ao Outro para a troca – desejosas de serem percebidas por lentes solidárias capazes de se constituírem em redes de apoio. Porém, comumente observadas por olhares arrogantemente críticos, lidas de modo insensível, discriminatório e rotulador.

Torna-se premente a revisão da leitura social ainda tão preconceituosa a se replicar através de gerações, mesmo no contemporâneo, e a se expressar ante a grande leva de seres inseridos no leque do espectro autista. Revisão em relação a valores ultrapassados aos quais o indivíduo se apega por hábito ou receio em agir para modificá-los, como, por exemplo, o de ajuizar através da sua carga de verdades e diretrizes polarizadas sobre o certo ou errado, o saudável ou doentio, o previamente concebido como normal ou o que se lhe configura como anormal por sair de padrão introjetado desde cedo.  

Revisão ainda carecida de novas proposições a trocas e parcerias na seara das relações intrapsíquicas... de reinterpretação do que o humano incorpora e manifesta em sua singularidade para, em exclusivas e possíveis conexões cognitivas, construir vias de inclusão, acolhimento e salvaguarda – fundamental ao realinhamento do convívio hospitaleiro com quem se distingue no tempo de contatar, visualizar, sentir e interpretar o mundo para expressar-se.

Lembrando que, embora guardando similaridade em alguns aspectos, estamos cada um vinculado a uma personalidade e a características a nos especificarem. No entendimento e esteio desta singular diferenciação, seguimos todos atrelados à mesma e fundamental necessidade de pertencimento – o que nos direciona à autorresponsabilidade em gerar/propor negociações, encontros, vínculos à constituição dos imprescindíveis ninhos. De maneira ímpar – frisadamente ímpar – o autista e seus cuidadores demandam muito mais nessa intranquila dedicação.  

É a essa conscientização – quanto a uma nova modalidade de construção da realidade psíquica diante da realidade compartilhada e empreendida numa performance ainda não sabida – e responsabilização no tocante às inclusões que aqui me permiti discorrer e propor reflexão.  

Porque não basta só incluir! É preciso acolher e sobretudo tutelar o sujeito de desejos recluso em si mesmo, porém tentante da integração a seu tempo e jeito.

Nos seus vieses e revezes, compete-nos compreender para aprender a identificar e se juntar à particularização que o outro manifesta, como caminho de responsabilidade para oferecer o laço de um possível resgate ao abraço, à inserção do autista no plano das interações plausíveis, ainda que no doloroso Real.

Na escola, ambiente compartilhado desde a tenra infância e essencial ao convite da interatividade, a prática de dinâmicas dirigidas à busca de alta performance e embasadas na competividade acaba se tornando mais um elemento agressor e estressor àquele que se viabiliza muito singularmente e em transcurso próprio.

É preciso ressaltar a necessidade e urgência de transformações no plano didático e de socialização escolar, que tenha por propósito claro, pragmaticamente falando, a estruturação de um modelo de inserção e integração mais humanista ao portador do Transtorno do Espectro Autista (TEA), tanto no âmbito da remodelagem do processo ensino-aprendizagem – adequando-o ao estágio/tempo de desenvolvimento cognitivo do sujeito autista – como no terreno da sinergia – no construto da solidariedade junto aos grupos familiares e seus respectivos cuidadores..

A atuação de gestores, colaboradores e todo o efetivo escolar precisa transbordar sensibilidade no trato com aqueles que estão na órbita e no centro do autismo; com essa realidade cada vez mais presente nos corredores acadêmicos, urge o redesenhar do atual formato de inclusão – infelizmente a retroalimentar a desprezível estatística do bullying e risco à evasão escolar.

Torno a dizer: se não houver acolhida e engajamento para o cuidar, a inclusão por si só acaba se constituindo apenas em uma submissão a políticas educacionais vigentes ou a uma diferenciada estratégia de marketing à ampliação da população estudantil, em especial na rede privada. Incluir tão somente o portador do TEA não resguarda sua saúde física, psíquica e emocional se continuam a ser expostos a pressões à adequação vigente, a alienação discriminatória e ao abandono afetivo e da aprendizagem. O autista necessita de outros guardiões em sua trabalhosa trajetória pela vida.