Eu e os outros que falam de mim

Marta Moneo

Gosto de passear pelo parque etimológico das palavras, pois, na raiz da constituição dos vocábulos, é possível detectar o nascer da brincadeira humana que nos irmana na socialização: a articulação da subjetividade no circuito mental, advinda das percepções pessoais baseadas nas emoções e opiniões do indivíduo, e a inter-relação entre sujeito-sujeito e sujeito-objeto.

Vinculamo-nos todos por habitar esse universo infinito de dizeres – submersos, ocultos, continuadamente gestados e amalgamados, não-ditos, possibilitáveis – em que cada um adentra no iniciático ou costumeiro contato com a linguagem.

Nascemos enquanto sujeitos quando passamos a construir relações simbólicas com o ambiente externo, embora antes tenhamos mergulhados na voz de diversos falantes: primeiramente ouvindo sem responder (ao sermos afetados no estado fetal); após, sendo capturados como ouvintes e nomeados pelo discurso de alguém; e, a seguir, entrando no jogo de unir-se à língua e se fazer escutar – ainda que inicialmente estivéssemos a ouvir e a repetir ditos, imersos no lalangue lacaniano. Só mais adiante passamos a ingressar, enquanto emissor, no instigante gira-gira do brincar reflexivo e semântico.

A diversidade de sentido das palavras nos ronda e nos seduz.

Entrelaçamos – via sistema límbico – pulsões (de vida e de morte), reações e sensações que seguem, ao longo do desenvolvimento psíquico, a centros de comando mentais mais aptos a processamentos mais singulares, porém altamente integrativos, suscitando leituras, ideias, sentimentos e pensamentos, obviamente atendendo a processos sinápticos vulneráveis a registros capturados tanto no meio interno do ser como do ambiente externo.

O que equivale a dizer que cada sujeito edifica uma torre de babel em si mesmo, e passará a vida inteira buscando se compreender.

Isso encontra eco ao considerarmos o gigante desafio do homem (inserido no contexto histórico-cultural) em se distanciar das clivagens e mal-entendidos a transitarem os corredores de seu psiquismo para, em busca da homeostase, harmonizar-se diante do desagradável, do vazio (do lugar sem objeto), do nada (esse algo enigmático relacionado ao sentido) e da falta (frustração, privação, castração).

É inconteste que desde cedo todos temos de aprender a lidar – bem ou mal – com frustrações e incompletudes decorrentes do convívio e do intercâmbio comunicativo. Como bem sabemos, o Outro – a nos habitar, a preceder-se e a exceder-se ao Eu, e, por isso mesmo, a nos traumatizar – insistentemente ressoa vozes incompreendidas pelo ego, embaralhando sentidos à escuta emocional e ao desenvolvimento cognitivo.

O fato é que há no dizer, mesmo no dizer qualquer, algo que fermenta no interno da psiquê, buscando saída e extravaso ao desejo e à dor do que, embora grite, não consegue se responder por dentro.

Mesmo ante a diversidade de conexões possíveis, o ser social segue carregando, sob a forma de memórias e recalcamentos, uma inigualável mochila de articulações (emocionais, sociais, culturais, mentais, linguísticas, identitárias, significativas) em um espaço aberto ao novo, no qual irá vislumbrar infinitas gangorras interpretativas.

Nas interações objetais, experiências e aprendizados se apresentam e se revezam, suscitando mais referências, sintomas, desejos, escolhas, necessidades.

É sempre bom lembrar que, construindo-se em essência no terreno do lúdico, o sujeito adentra espaços desenhando uma lógica própria, em fantasia, dando margem ao simbólico; após, nas asas do imaginário, abre janelas neuronais às invenções, ao devaneio e à atividade criativa.

Passagens do concreto ao abstrato vão surgindo paulatina e paralelamente ao desenvolvimento infanto-juvenil para, no adolescer, permitir novos jogos na articulação do pensamento e do sentir (individual e coletivo), em formatos de realidade e do Real.

Logo, carecemos todos desse brincar dialógico: enveredar subjetivamente nos rodopios da linguagem para nos buscar, em esconde-esconde, nas milhares de falas internas. E nos permitir escorregar – eu e os outros que falam pra/em/por/de mim – da palavra intrapsíquica à intersubjetividade.