Por vezes a dor de uma tragédia alcança um lugar onde a mente, em seu limiar ao sofrimento, permite abster-se, fugir a um canto inalcançável à mínima preservação da própria sanidade.
Na incoerência do processo, a solidão pode trazer pretenso alívio ao insuportável do real.
Usando a metáfora da ostra ferida, a pessoa se recolhe e se esconde em si. Naquela cela pequena pode, enfim, se enredar e permitir-se chorar. Verter a dor que enlouquece, gritar sua mágoa e soprar o corte do inenarrável sentir.
Até secarem os olhos, pelo esgotamento das lágrimas... E, mesmo não gerando pérolas, deixar-se içar por uma qualquer ordem de voltar à lucidez – área da consciência em que o compartilhamento da angústia e das tristezas exige comedimento.
Há quem encontre no dormir uma forma de desaparecer um pouco de presenças capazes de atualizarem a falta – uma saída, por certo! Outra forma de expressar o impacto emocional ante a perda (antecipada e impensada) se daria pelo mergulho a estados depressivos, em que o sono entorpece e parece atenuar os ruídos do psiquismo. Dormindo, supõe-se, o pensar se veste do onírico e se deixa levar pelos desejos mais secretos.
Em caminho distinto, há quem sucumba à perda de consciência por meio de crises epiléticas ou convulsões – a raiz destas sempre reside em algum acontecimento psicológico muito sofrido, com o qual a pessoa não consegue lidar racionalmente – que pode durar horas e dias de inconsciência. Ao convulsionar, o ego se envolve, pelo silenciar das memórias, em um apagamento da dor e do sofrer. Creio ter sido este o plausível caminho que uma querida tia tomou pela vida, muito mais em sobrevida, para prosseguir nessa emaranhada resistência à perda dos mais íntimos do coração.
Das tantas experiências tristes, uma sem-fim é, sem dúvida, a de quem sobrevive ao ato suicida de seus amores.
Nela, a sensação de impotência, culpa e de interminável dor na alma permanecem e rodeiam os dias e as noites de ascendentes, descendentes e parceiros de trilha.
E é por constatar a dor de quem perdeu um irmão querido para o suicídio que me permito um particular pedido: há sempre outra opção, existe sempre outra saída de acesso; à volta há amores envolvidos, há amores e amigos; há alternadas escolhas e um tempo que se renova criando outras cenas. Não antecipe a partida, não use as mãos para se despedir da vida... aproveite a força e a busca que vertem delas, e segure firme nas palmas que se estendam a você!
Procure atendimento psicológico – ninguém é autossuficiente para lidar com traumas, medos, revoltas, angústias, emoções e situações diversas aparentemente insolúveis! Caso não consiga tocar as mãos de alguém no seu instante de aflição, chame estas... elas virão: 188 (CVV – Centro de Valorização da Vida) ou 190 (Polícia Militar) ou 192 (SAMU – Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) ou 193 (Corpo de Bombeiros).
Lembre-se: muitos corações morrem junto no ato suicida.